"Destruir é melhor do que criar, quando não se cria o essencial"
Essa semana consegui, finalmente, assistir ao clássico italiano 8½, de Federico Fellini. O filme conta a história de um diretor de cinema em crise criativa. Guido Anselmi é famoso, tem boa reputação no meio artístico e está sendo pressionado de todos os lados para começar as gravações do seu novo longa. O elenco já está selecionado, os cenários estão sendo construídos e os jornalistas não param de buscar novas informações sobre a trama. O problema é que essa trama não existe. Guido não teve nenhuma ideia. Ele não sabe o que escrever, não tem absolutamente nada pra contar e a angústia de ver o tempo passar, a expectativa crescer e nenhuma história surgir faz com que o diretor revisite sua infância e seus sonhos em busca de respostas e inspiração. Elas não vêm e 8½ termina com Guido desistindo do filme.
Qualquer pessoa com alguma inclinação artística, por menor que seja, sabe o que é isso. Você quer escrever, filmar, fotografar, etc, mas o assunto não surge. A sua natureza criativa te impele a produzir e você fica bastante tentado a fazer qualquer porcaria, só pra calar esse impulso. Nessas horas é preciso ter a coragem de Guido Anselmi. Coragem pra recusar o caminho mais fácil. Coragem pra não escrever, não filmar, não fotografar, e poupar o mundo de um trabalho medíocre.
Vocês hão de concordar que o mesmo anda bastante poluído. Diariamente somos assaltados por toneladas de livros, músicas, textos, fotos, filmes e séries que, em sua grande maioria, não têm razão de ser. Ninguém precisa de mais lixo. Então, em vez de reciclar uma ideia gasta, talvez seja mais digno simplesmente se calar. Alguém disse uma vez que a real perfeição só existe no nada. Nenhuma obra de arte é perfeita, mas todo silêncio é. Aproveite enquanto seu livro ainda não está escrito. Talvez seja sua única chance de ter um livro perfeito. E não se desespere.
Sempre que vou escrever um dos meus contos, fico me perguntando se é realmente necessário que aquela história exista. Não tô preocupado se ela vai mudar a vida de alguém ou transformar a sociedade, não é nada disso (porque isso é uma tremenda bobagem) é simplesmente se ela "vale a pena ser lida". Porque eu sei que as pessoas não têm tempo e não é justo fazer com que elas percam esse bem tão precioso lendo um texto que não vale a pena ser lido. Desculpa Fernando Pessoa, mas tem coisa que não vale a pena, independente da alma.
Agora... É lógico que, assim como é uma injustiça fazer com que alguém perca tempo lendo uma história que não tem razão de ser, é igualmente cruel privar uma boa trama de existir. Eu sempre lembro de Vicky Cristina Barcelona e do pai do Juan Antonio que era um poeta maravilhoso e escrevia poemas sublimes, mas não mostrava pra ninguém, como forma de protesto.
Acho que existe uma diferença muito grande entre o autor que quer contar uma história e aquele que precisa contar uma história. Quem já escreveu ficção sabe como é... Isso que chamam inspiração. Não é como se você estivesse criando, mas sim descobrindo algo. Parece que aqueles personagens, cenários, e enredo sempre existiram e só estavam esperando a hora certa de serem apresentados ao mundo, de tornarem-se públicos. Saber que essa tarefa cabe a você é, ao mesmo tempo, excitante e assustador.
Pronto. A partir de agora você é um autor que precisa contar uma história. Trate de fazê-lo da melhor forma possível.
3 comentários:
Esse texto seu salvou a minha vida. Obrigadíssima, de verdade.
Ola,
Criei um blog recentemente e visitando o mundo da blogosfera encontrei teu blog. Adorei teus textos, por isso sigo-te. Gostaria de convidar vc a visitar meu blog, nele postarei textos de minha autoria, espero que goste!
Abç
E você realmente sabe escrever, viu?
Muito perfeito e muito cheio de verdade este texto. A grande diferença de escrever algo, que você mesmo lê, e odeia. E reescreve, mas nunca sai bom. Grandes inspirações martelam sua mente noite e dia, crescem, grandes ideias, grandes personagens se fazem presentes em sua vida, como fantasmas que só você vê, cobrando que você lhes dê existência. Amei o texto, de verdade, e vou passar a voltar aqui mais frequentemente.
Bom Carnaval *:
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