quinta-feira, 31 de maio de 2012

Sobre Velhas Fofas e Noites Refrescantes

Hoje na rodoviária, estava eu no meio da fila pro 110, ouvindo o podcast do Cinema em Cena e me policiando pra não comprar outro pastel da Viçosa, quando chega uma velha e, disfarçadamente, se enfia na minha frente. Olha... Nem era o caso de atendimento preferencial, porque visivelmente a dona não tinha mais de sessenta anos. Era caso de safadeza pura e simples. E fico tão atônito, tão desconjuntado quando essas coisas acontecem que nem sei o que fazer. Passei uns dois minutos imóvel, olhando pra nuca dela com tanta força que me surpreende ela não ter quebrado o pescoço. Mas o ódio foi me subindo, silencioso e rastejante, e não aguentei. Dei uma batidinha em seu ombro e perguntei: "moça, cê tava na fila?", ao que ela respondeu "estava sim" e virou pra frente de novo. E foi isso. MAS ELA NÃO ESTAVA! Eu vi, não sou louco. Agora, o que se pode fazer? Eu que não ia armar barraco por causa de lugar em fila de ônibus. Já era humilhação bastante estar nela.

O problema é que sou terrivelmente rancoroso. Tô até agora pensando na velha e em diversas formas de tortura que envolvem desde a catraca do 110 à caldeira de óleo onde os pastéis da Viçosa são fritos. E fico morrendo de ódio da minha passividade diante dos absurdos cotidianos. Porque eu nunca falo. E depois passo o dia repetindo o discurso que eu deveria ter feito e pensando que, oh, seria lindo se eu tivesse tido coragem.

Mais tarde tomei a maior chuva de toda a minha vida. O trajeto era da parada de ônibus ao prédio do meu aluno. Uns 300 metros. Mas o céu desabava em água corrente e tive que atravessar a W3 de navio (o qual naufragou, devido a um iceberg engraçadinho e minha namorada ficou em cima de uma porta e eu morri congelado no meio da rua. Foi triste). Ainda passei uns minutos me enxugando antes de entrar no elevador e pensando em que piadinha eu faria para que a mãe do meu aluno não ficasse com (muita) pena de mim e me oferecesse uma blusa velha do menino.

Aí chego em casa com esses dois rancores enormes. A velha fura-fila e o momento Arca de Noé. Não sei o que mais me entristece. Minha impotência diante de uma velha pilantra ou minha impotência diante de São Pedro.

PS1: No último fim de semana escrevi um conto novo no Crimes por Extenso. É a história de duas crianças que acabam tendo que se esconder no mesmo lugar durante um jogo de esconde-esconde. Aí vai um trecho:

"Aos poucos Luana percebeu o que lhe ocorria e com espanto se deu conta do absurdo que era estar espremida com um garoto no meio do mato. Pra logo mais, não se espantar. E até gostar. E achar estranho. Abusado. Tinha dez anos e estava espremida com um menino no meio do mato."

PS2: Também fiz um Tumblr pra poder reblogar as coisas legais dos outros e perder ainda mais tempo com uma atividade inútil e incrivelmente prazerosa. O nome é Festa do Grand Monde (e só pode entrar quem for da alta sociedade francesa, fiquem avisados).

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Habemus Papam


Quando um Papa morre, os cardeais se reunem em uma sala secreta no Vaticano e realizam uma votação para que o novo líder da Igreja Católica seja escolhido. Pelo que entendi, o novo Papa só é eleito se atingir uma porcentagem dos votos, então se a eleição for bem equilibrada, ela é anulada e refeita, até que todos entrem em um consenso (ou até que o Espírito Santo ilumine suas mentes) a apenas um homem receba a maior parte dos votos. Esse homem, a partir de então, recebe sua roupa especial e passa a assumir a responsabilidade de guiar e abençoar milhares de fiéis ao redor do mundo. Dessa vez Melville foi o eleito, mas na hora de se apresentar à multidão de fieis que aguardava o resultado da votação, ele travou, entrou em pânico e pediu por ajuda. Habemus Papam (filme italiano selecionado para o Festival de Cannes do ano passado e que, milagrosamente, resiste em cartaz em Brasília), conta exatamente essa história. Um Papa recém-eleito não quer assumir o cargo. E agora?

A situação hipotética é absurda, inusitada e poderia gerar um filme extremamente polêmico e cheio de alfinetadas à Igreja Católica, mas o diretor e roteirista Nanni Moretti foge dessa solução fácil e prefere mostrar a história de um homem que, assim como muitos de nós, sente-se inadequado à posição que ocupa. A certa altura do filme, Melville é encaminhado para uma terapeuta que, para facilitar o tratamento, não conhece sua verdadeira identidade. Na primeira consulta a psicóloga pergunta: "qual o seu trabalho, o que você é?". Ao que o Papa responde "sou ator".

Nunca pensei que algum dia eu pudesse me identificar com vossa santidade. E que eu pudesse entender perfeitamente o peso que aquele homem sentia e o tipo de pensamento que pode ter passado pela sua cabeça para que ele não conseguisse dar um passo a frente. O tipo de emboscada que, às vezes, nos assalta em pleno Vaticano, onde tudo parece perfeitamente santo. E poucas vezes senti tanta pena de alguém. Porque a gente até sabe o que é lidar com as expectativas de meia dúzia de parentes e amigos, mas não faz ideia do que significa decepcionar toda uma multidão.

Não curto filme com temática religiosa, não sou católico e não faço ideia se as coisas no Vaticano funcionam desse jeito, mas sei que é muito provável que em algum momento da história da Igreja Católica alguém tenha se sentido como Melville. Alguns conseguem pedir ajuda, outros continuam atuando pelo resto da vida.

sábado, 12 de maio de 2012

Mixtape - Tarantino's Jukebox

Essa mixtape começa com o maravilhoso diálogo de Pulp Fiction em que um casal apaixonado decide, de última hora, assaltar uma cafeteria. E a partir daí, fica impossível não se entregar à nostalgia, embriaguez e sensualidade que as músicas dos filmes de Quentin Tarantino provocam. Diretor famoso por sua violência, apelo à cultura pop e fascínio por pés, Taranta é especialmente habilidoso na escolha das canções que irão preencher os silêncios de seus filmes. Mais cedo ou mais tarde eu teria que selecionar as melhores para escutar em loop infinito quando batesse aquela vontade de matar alguém.

Aqui você vai poder ouvir a música que embalou a lap dance de Butterfly em À Prova de Morte (faixa 2), o assovio clássico de Elle Driver em Kill Bill (faixa 8), o twist que John Travolta e Uma Thruman dançaram em Pulp Fiction (faixa 10) e a canção que serviu de plano de fundo para uma orelha ser cortada com navalha em Cães de Aluguel (faixa 9), além de outras preciosidades dos anos 70 e 80. Também vale parar um pouco para ouvir Nancy Sinatra cantando Bang Bang (música que abriu de forma dramática o episódio I de Kill Bill) e se deixar levar pela marcha dos Bastardos Ingórios, que encerra a seleção.




Outras Mixtapes:

Músicas de natal: Por um Natal Sem Uva-Passa
Vozes sexys femininas: So Wet, So Tight
Músicas depressivas: Hoje Vou Te Fazer Chorar

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Recontagem

Hoje tive que refazer pela décima vez o cálculo de quantas páginas de Os Lusíadas preciso ler por dia pra terminar a leitura no prazo estabelecido. E basicamente minha vida tem sido assim. Esse esforço enorme e eterno para adaptar os afazeres à minha falta de disciplina. Os dias estão implacáveis e tudo parece um atropelo.

As pessoas mudaram tanto. Tenho achado todo mundo um pouco frio e impaciente comigo. E talvez seja fruto desse clima de Brasília. Acordar tem sido difícil. Os ossos doem. E a cada dia que passa eu tenho mais páginas e menos tempo.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Simplesmente Ela


Na sexta-feira passada, a peça Simplesmente Eu, Clarice Lispector veio a Brasília. Nela, Beth Goulart vive a escritora mais cultuada, zoada e discutida da literatura brasileira e aproveita para interpretar algumas de suas personagens marcantes. Inicialmente, a única apresentação seria às 20h, mas os ingressos esgotaram-se em minutos e uma sessão extra, às 23h do mesmo dia, precisou ser aberta. Fui nessa, um pouco preocupado com o desempenho da atriz, já que não deve ser nada fácil sair de um monólogo de quase 1h e entrar em outro idêntico logo depois, mas a preocupação era vã. Se Beth Goulart estava ou não cansada, jamais saberemos, visto que a personalidade de Clarice, por si só, carrega quase todo o cansaço do mundo.

Eu poderia passar os próximos parárafos descrevendo a magnitude do texto, a beleza do cenário e figurino e a assustadora interpretação de Beth Goulart (vencedora do prêmio Shell de teatro por esse papel), mas não vou. E não vou porque estou morrendo de preguiça encontrei a peça Simplesmente Eu, Clarice Lispector, na íntegra, disponível no YouTube. É claro que essa imagem de 240p não substitui a experiência do teatro (que recomendo e incentivo fortemente), mas pode transmitir pelo menos um pouco da inspiração, confusão e encantamento que o texto de uma das mulheres mais míticas da nossa literatura produz.

Bom espetáculo!