quarta-feira, 31 de agosto de 2011

5.840 Dias com Emma


E se você pudesse escolher apenas um dia do ano, por exemplo, 15 de julho, e contar o que acontece nele ao longo de 20 anos da sua vida? Essa é a proposta de Um Dia, novo romance do britânico David Nicholls e atual queridinho das rodas de leitura (como se alguém participasse de roda de leitura nos dias de hoje, mas tudo bem). Lançado aqui no Brasil pela Editora Intrínseca (que nunca deve ter ganhado tanto dinheiro), o livro conta a história de amor e amizade entre Dexter e Emma. Dois jovens que se conheceram no dia de sua formatura e nunca mais conseguiram se separar, embora quase nunca estivessem realmente juntos.

Achei o formato brilhante, embora a ideia não seja original. Em 2009 os hipsters de todo o mundo se cortaram por 500 Dias com Ela, comédia romântica que mostrava fragmentos de uma relação amorosa, assim como faz Um Dia, mas no caso do filme, sem se preocupar com qualquer ordem cronológica (o que me fez desistir de juntar as peças do quebra-cabeça em 20 minutos). Mas esse tipo de narrativa é, de fato, muito espertalhona. Primeiro porque libera o autor de uma série de cenas importantíssimas que, naturalmente deveriam ser descritas, mas deixam de ser necessárias, já que as coisas acontecem entre um capítulo e outro. E segundo porque deixa o leitor inteiramente livre pra preencher o vazio textual com a imaginação. É como se pegassem uma página do seu diário de 2005 e outra do seu diário de 2006 e colocassem as duas lado a lado. Você sabe como era antes e como ficou depois, mas ainda precisa fabular o que houve entre uma coisa e outra.

Os dois personagens são muito bem construídos, assim como a maioria dos coadjuvantes. Dexter é um menino rico e um pouco perdido, facilmente seduzível por coisas como carro, decotes e vodka. Já Emma é uma moça inteligente e engajada, mas facilmente seduzível por coisas como Dexter. E os dois se dão perfeitamente bem juntos, mas quase nunca conseguem ficar ao lado do outro. Dexter acaba soterrado pela fama da televisão, Emma acaba desiludida pelos seus trabalhos pouco remunerados, e os dias vão passando... E a gente torce por eles o tempo inteiro, porque está claro que um não vai conseguir ser feliz sem o outro.

Romances britânicos são naturalmente deliciosos. Tome como exemplo os livros de Nick Hornby (Alta Fidelidade, Juliet, Nua e Crua), o rei da literatura contemporânea que, inclusive, classificou Um Dia como "cativante, inteligente e espirituoso". E parece que ele estava certo. O texto é realmente muito cativante e, embora de fácil digestão, incrivelmente profundo. É o tipo de história que somos acostumados a prever, mas não se engane: desta vez você vai errar todas as previsões. E, provavelmente, vai chorar.

""O que você vai fazer com sua vida?" De uma forma ou de outra, parecia que as pessoas estavam sempre fazendo aquela pergunta - os professores, os pais, os amigos às três da manhã -, mas a questão nunca tinha sido tão premente, e ela estava longe de obter uma resposta. O futuro se estendia à sua frente, uma sucessão de dias vazios, cada um mais desanimador e incompreensível que o outro. Como iria preencher todos eles?"

PS: O livro vai virar filme, estrelado por Anne Hathaway e Jim Sturgges, com estreia prevista para novembro no Brasil.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Geração Hakuna Matata


Fui conferir O Rei Leão em 3D nesse fim de semana e fiquei surpreso com o tanto de gente que sofre da mesma doença que eu. A sala estava cheia de jovens adultos e quase nenhuma criança. Curioso. Realmente não pensei que as pessoas fossem pagar 15 reais pra assistir a um filme que, teoricamente, todo mundo já viu. Mas elas pagaram. E imagino que tenha sido pelo mesmo motivo que eu: para ver o maior clássico da história da animação na tela grande, numa tentativa desesperada de recuperar a memória empoeirada de 1994.

Fui ao cinema com um grupo de cinco pessoas (todos adultos), entre eles, meu irmão mais velho. Vale ressaltar que eu e meu irmão temos essa irritante mania de decorar todas as falas dos clássicos Disney e, modéstia à parte, O Rei Leão é a nossa especialidade. Então a gente realmente sabe o filme do início ao fim, com direito a interpretações ensaiadas das músicas do Timão e Pumba, com o Henrique fazendo a voz do Pumba e eu, a do Timão. Mas para o nosso espanto, uma menina da fileira de trás parecia competir com a gente. E outros jovens espalhados pelo cinema também... Todos sabiam as falas de cor, todos sabiam cantar as músicas. E todos cantaram. E foi lindo.

Mas também foi engraçado ver toda a geração Hakuna Matata dizendo em alto e bom som: "quando o mundo vira as costas pra você, você vira as costas para o mundo", que é o nosso lema. Porque foi assim que a gente aprendeu. Toda uma geração meio solitária, meio preguiçosa, meio doente, mas incrivelmente divertida. Gente que não sente a menor vergonha em pagar 15 reais pra ver um filme infantil e aplaudir no final. Gente que ainda se permite sonhar e não crescer. Porque uma coisa, fatalmente excluiria a outra.

Eu não chorei na épica cena da morte de Mufasa, mas fiquei arrepiado em diversas partes do filme. E, pela primeira vez, uma cena que nunca havia me tocado antes, praticamente me derrubou da poltrona. Trata-se de quando o Rei Leão aparece no céu para Simba e diz: "você esqueceu quem você é e esqueceu de mim", e aos prantos Simba responde que não, que nunca havia esquecido do pai. Mas a gente sabe que sim. Que, com toda aquela história de Hakuna Matata, ele acabou se perdendo e já não lembrava quem era.


PS: Tem conto inédito no Crimes por Extenso. Uma história sobre amor, ciúmes e arte. Não necessariamente nessa ordem.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Terapia iTunes

Agora entrei numas de transferir meus CDs antigos pro computador e não sei se quero outra coisa da vida. Recuperar músicas que ficaram perdidas entre 1996 e 2005, e etiquetar cada uma delas de forma sistemática, pode não parecer o trabalho mais interessante do mundo, mas satisfaz portadores de transtornos obsessivos compulsivos e nostálgicos em geral. Eu seria capaz de passar dias ouvindo trechos de canções que me remetem a épocas bem mais felizes e pessoas bem mais interessantes.

Na verdade, eu não sei se era mais feliz na época em que ouvia Cássia Eller, Pato Fu ou The Carpenters. Que eu me lembre, era inclusive bastante idiota. Mas minha insatisfação atual é tão concreta que estou aceitando qualquer coisa. Qualquer coisa capaz de me transportar pra outro tempo ou lugar. Nem que seja por três minutos e meio.

Às vezes tenho medo disso não melhorar. E fico realmente desesperado, porque tenho só 20 anos. Não pode ser normal alguém dessa idade com tamanha falta de fé. E até tento me empolgar com as coisas: estudo, namoro, religião, futuro profissional... Mas o despropósito disso tudo me parece cada vez mais evidente. Aí eu tenho vontade de abrir a janela e gritar ACORDA, ISSO NÃO VAI LEVAR A NADA!, pra ver se as pessoas percebem o tamanho do equívoco que é viver.

E me falta voz.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Toc Toc Toc


Deixe-Me Entrar foi lançado no começo do ano, mas só ontem eu consegui assistir, enquanto comia pãezinhos com patê e criava raízes no sofá da casa do meu irmão. O filme é o remake de uma produção sueca de 2008 e conta uma história de vampiro, mas sem a cafonice habitual. Pensando bem, é talvez a história de vampiro mais bonita que já ouvi. Tem esse menino de 12 anos, Owen, extremamente triste e solitário, que sofre bullying na escola e vive ensaiando seu grande momento, quando enfim vestiria a máscara de plástico, empunharia uma faca de cozinha e poderia amedrontar seus agressores com as mesmas palavras com que era amedrontado: "Está com medo, garotinha?".

Então quando surge essa nova vizinha, Abby, da mesma idade que Owen, com os cabelos loiros e os pés descalços, é mais que natural uma paixonite aparecer. Era a primeira vez que ele tinha a atenção, o carinho e o afeto de alguém. E o fato dela se alimentar de sangue humano parece irrelevante diante da cumplicidade imediata que nasce entre os dois.


O filme tem cenas realmente assustadoras, com direito a jugulares rasgadas e corpos pegando fogo, mas seu maior trunfo está nos momentos de introspecção e silêncio. Chloë Grace Moretz (que arrebentou em Kick-Ass) e Kodi Smit-McPhee (de A Estrada) atuam como gente grande e a direção de Matt Reeves reforça a ligação entre eles. A trilha sonora é cuidadosamente posicianada pra nos transtornar ou nos deixar melancólicos. E tudo parece tão verdadeiro que, às vezes, esquecemos que é um filme de vampiro.

E não se engane, Deixe-Me Entrar não tem nada de infantil. É um longa carregado de significados e leva o gênero ao seu mais alto grau. A vampira, no caso, suga não só o sangue, mas a vida daqueles que a rodeiam.

sábado, 20 de agosto de 2011

Conversas com Clarice

Clarice Lispector tinha acabado de escrever A Hora da Estrela quando deu essa entrevista. E é uma das coisas mais sensacionais que já assisti no YouTube. Sem dúvidas, a melhor entrevista a que tive acesso. Com sua língua presa (ou seu estranho sotaque ucraniano) Clarice transborda subjetividade. É uma figura interessantíssima. E tem esse olhar profundo que fere, e esse cigarro entre os dedos, e esses dedos tortos de bater à máquina, e essa eterna exaustão pela vida. As perguntas do entrevistador são ótimas e as respostas são imprevisíveis. Quase tão imprevisíveis quanto a literatura de Lispector.

Vou colocar as 2 primeiras partes da entrevista e comentar meus momentos preferidos em cada uma delas. Se você tem algum interesse (por menor que seja) em literatura ou qualquer outra arte, não pode deixar de assistir.


1:51 - É visível a mágoa de Clarice por ter seu nome real confundido com um pseudônimo.
3:40 - "Inventei uma história que não acabava nunca". Silêncio do entrevistador, chocado. "É muito complicado pra eu explicar essa história".
5:00 - Ela conta como publicou seu primeiro conto em uma revista.
5:30 - Clarice interrompe o entrevistador ao dizer que nunca assumiu a carreira de escritora e termina sambando na cara da sociedade: "Eu sou uma amadora". Agora... Se você é amadora eu sou o que, meu bem?
8:10 - "O adulto é triste e solitário".
8:25 - O entrevistador pergunta: "A partir de que momento o ser humano vai se transformando em triste e solitário?". Clarice fica em silêncio por alguns segundos, ameaça um sorriso e diz que "isso é segredo". Hahahaha. Sensacional!
9:00 - "Mas eu não sou solitária não, tenho muitos amigos. E só estou triste hoje porque estou cansada". E termina o bloco dizendo que, de modo geral, é alegre, mas com a expressão mais triste do universo.


4:50 - Sua rotina de trabalho é descrita.
5:40 - Clarice Lispector não se considera uma escritora popular nem hermética. Afirma que se compreende. Aí pensa um pouco mais e diz: "Bom, tem um conto meu que eu não compreendo muito bem".
7:00 - O trabalho da escritora sobre o Mineirinho. Tristíssimo.
7:45 - "Eu escrevo sem esperanças de que o que escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada".
8:30 - "Qual é o papel do escritor brasileiro hoje em dia?", pergunta. "De falar o menos possível", responde.

O especial ainda tem mais três outras partes com depoimentos e homenagens à escritora e o fim da entrevista, onde ela fala de seu último trabalho, A Hora da Estrela, do seu contato com estudantes universitários e de como anda cansada.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Os Ratos Fazem a Festa


Tem uma cena dA Árvore da Vida em que um menino chega em casa e descobre que o pai teve que viajar. Na mesma hora o garoto entra em êxtase e começa a correr pela casa, comemorando com a mãe e os outros dois irmãos. Estava livre.

Porque o pai, um religioso fanático e autoritário, representava toda a insegurança e medo que permeavam a vida familiar. Perto dele, ninguém conseguia ser natural. Ele era o incômodo a ser contornado.

E eu, antes da sessão terminar, decidi que nunca darei motivo pra um filho meu comemorar minha ausência.

domingo, 14 de agosto de 2011

Preconceito Linguístico

Sinceramente, achei que não aguentaria um mês sem meus pais por perto. Que logo entraria numa crise depressiva sem precedentes ou que em poucos dias já teria brigado com minha irmã ou meu cunhado (que agora me abrigam pacientemente em Brasília). Então estou surpreso comigo mesmo. E muito orgulhoso. Ok, não é como se eu estivesse morando sozinho e pagando minhas contas Maria do Carmo feelings, porque meu pai ainda vai mandar uma grana pras necessidades básicas. Mas pra mim isso prova que eu não preciso deles pra tudo (apenas pra 60% de tudo) e que eu consigo sim fazer um orçamento tosco e controlar meus gastos com ônibus, almoço e cinema.

Voltei pro pré-vestibular e a rotina é exatamente a mesma do semestre passado, com a única diferença de que agora eu tenho que atravessar um barranco de terra toda vez que quero pegar ônibus (o que faz o pessoal do cursinho sentir pena de mim, porque chego com dupla camada de terra no tênis). E dia desses tinha um cara mijando na única entrada do barranco, então resolvi dar a volta e passar pelo outro lado pra evitar o constrangimento. Escorreguei nos pedregulhos e saí catando cavalo morro à fora, numa linda performance, mas ninguém viu, porque eram seis da manhã.

Também resolvi prestar vestibular pra Letras na UnB, por cinco motivos: 1) É mais fácil de passar, 2) Dou aula particular de literatura e texto há um ano. 3) Eu posso pegar umas matérias de Comunicação e depois terminar numa particular, me formando em Letras e Jornalismo no total de seis anos. 4) Professor de português pode ser jornalista, mas jornalista não pode ser professor de português e 5) Clarice Lispector me aprovaria.

Não é como se eu estivesse desistindo do meu sonho, até porque não sei se tenho algum. É mais como uma tentativa desesperada de começar alguma coisa. De sentir que não estou perdendo tempo, assistindo aula do lado de menino de DEZESSEIS anos. E juro que não vejo problema nenhum em passar o resto da vida sem dinheiro, corrigindo redação de criança semianalfabeta e esperando meu Jabuti que nunca virá.

Então liguei pra minha irmã, todo empolgado pra falar dos meus planos. E ela me vem com essa: "Não faz isso não! Letras é curso de empregada doméstica". Juro. E-m-p-r-e-g-a-d-a d-o-m-é-s-t-i-c-a! Primeiro eu fiquei assustado, mas depois vi que faz todo o sentido. Né? Sempre curti novela do Manoel Carlos e revista de fofoca... Só faltava mesmo um curso de Letras pra eu poder aumentar o valor da faxina.

Eu quero saber quedê minha vassoura?

PS: Minha irmã é formada em letras.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Estado de Vigília


Meus olhos pesam toneladas
O conforto das pálpebras fechadas
Procuro inconsciência, devaneio
Encontro sobressalto, pesadelo

Quem dera não ter nunca acordado
Permanecer no sono, entretido
Negar dessa vida o absurdo
Ficar enfim, adormecido

O amanhecer foi violado
Com um tal de despertador
De onde se ouve o brado:
Acorda pra vida, senhor!

O povo a me aconselhar:
Levante, corra, dance, grite
E até penso em acatar
Mas meu sono não permite

terça-feira, 9 de agosto de 2011

O Internauta


Até 2006, quando lançou Carioca, Chico parecia desconhecer qualquer coisa sobre MP3, iPods ou YouTube. E hoje tá aí... Conversando com os internautas e até fazendo o louco do pântano em depoimentos descontraídos. Acho graça, porque o Chico Buarque parece um tio meu, que levou mais ou menos 15 anos pra aceitar esse negócio de computador. Mas é um caminho inevitável. Até o mais tradicional dos artistas está percebendo que, em vez de lutar contra o inimigo, é melhor ficar do lado dele e tentar tirar algum proveito. Então poucos meses antes de lançar seu último álbum, Chico Buarque colocou no ar um site onde publicava vídeos periódicos dos bastidores das gravações pra manter o público interessado e vender mais cópias. Eu falo "Chico" como se ele próprio tivesse montado o site após um cursinho de Dreamweaver, mas é claro que o velho foi forçado incentivado a fazer tudo isso por alguém com muito mais visão de mercado. O resultado é Chico, um disco minimalista com 10 faixas muito boas e algumas excelentes.

Querido Diário, que abre os trabalhos, tem uma harmonia bem mais interessante que a letra. Não gosto de algumas rimas, principalmente aquela que ele confessa amar uma "mulher sem orifício" (WTF?). Mas do meio pro final entra uma segunda voz extremamente sofrível que enriquece tudo e faz a gente querer repetir o mesmo trecho 500 vezes. Já a segunda faixa, Rubato, é a que menos me agradou. Acho que o Chico chegou num nível de dissonância que ultrapassa o limite do bonito. É tanto medo de ser previsível que a coisa acaba ficando esquisita.

O álbum ainda conta com uns sambas bem gostosinhos, como Sou Eu e Barafunda. E outras canções mais depressivas, como Sem Você 2 e Nina, onde ele fala de um romance online (sério!): "Nina diz que se quiser eu posso ver na tela / A cidade, o bairro, a chaminé da casa dela / Posso imaginar por dentro a casa / A roupa que ela usa, as mechas, a tiara / Posso até adivinhar a cara que ela faz / Quando me escreve".

Essa Pequena parece muito outro clássico do Chico, Ela É Dançarina, mas com um pouco menos de glamour: "Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas / o blues já valeu a pena". E Se Eu Soubesse, que é uma das minhas preferidas, tem a participação de Thais Gullin, a namorada do Chico (uma fofa de aparentes 15 anos de idade). A música ficou  linda! Talvez pela química do casal, talvez pelos "lararis" e "lararás" que escondem parte da letra e fermentam nossa imaginação.

A canção que fecha o disco é Sinhá, que tem participação de João Bosco e já entra diretamente pro Top 10 músicas mais tristes do Brasil. Conta a história de um escravo que viu a patroinha se banhando e, por isso, vai perder as pernas, os olhos e a vida. Uma volta ao passado, pra encerrar o primeiro passo de Chico em direção ao futuro.