Assisti esse filme alemão com uns 14 anos. Acho que me formou um pouco politicamente. Nele, três amigos tinham o costume de invadir mansões enquanto os donos viajavam, e não roubavam nada, não estragavam nada, mas mudavam tudo de lugar. Quando os donos chegavam, se deparavam com os móveis empilhados na sala de estar. A lição era clara (e, se não me engano, eles até deixavam um bilhete), vocês não estão seguros.
Já faz 5 anos que dou aula particular e sempre tentei mostrar pros alunos que eles não estão seguros. A maioria mora no Lago Sul, veste AppleWatch e joga videogame usando óculos de realidade virtual. São crianças, claro, e a gente fica até com pena de já terem opiniões tão preconceituosas, mas são crianças somente até o dia em que não serão mais.
Dar um reforço no português, pra quem já tem, além de todas as condições ideais para o estudo, a garantia de uma assistência e renda, se pá, vitalícia, é sim empoderar o empoderado. Não posso fazer outra coisa, se não quiser perder o emprego, além de manter as notas dessa criança no topo. Garantir a vaga dela, que sempre esteve garantida.
É um esforço mínimo, esse de bagunçar os móveis da mansão. Quase não muda nada. Mas enquanto o jovem lê algo como O Conto da Vara, ou quando escuta Geni e o Zepelim, mesmo que seja no iPhone 7, ou quando se reconhece como um agressor, ou quando reconhece a empregada doméstica como um ser humano, você sente que está não só empoderando o empoderado, mas também mexendo um pouco com os seus brios. Trazendo à tona seu medo mais secreto; que a classe de baixo se volte contra eles e invada sua casa e bagunce seus móveis.