sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Problemas com o Miocárdio


Nada pode ser mais prejudicial à arte que viver. Eu tenho tido particular dificuldade em encontrar ânimo pra ficção e pra toda a concentração e apreciação que ela exige. Porque tudo começou a parecer bastante ridículo agora. A gente vai ganhando certa noção do absurdo que é trabalhar por horas numa história que não tem a menor razão de ser e começa a se questionar se seria realmente válido trazer isso ao mundo. É como ter filhos. Ninguém sente falta deles enquanto não existem. E até quando existem, às vezes, pensamos se não teria sido melhor deixá-los onde estavam.


E eu tô cada vez mais relapso com os contos e com esse futuro provável romance que tenho guardado na cabeça e nuns papéis espalhados pelo criado mudo. Lirismo passou longe. Nunca estive tão entregue ao cinismo dos novos tempos e não sei o que fazer pra recuperar a sensibilidade. A ansiedade tá pulsando e destruindo toda e qualquer inspiração. Ninguém mais tem tempo pra pagar de Shakespeare.


Escrever no blog é um pouco mais fácil. Primeiro porque existe audiência (ridícula, mínima, mas ainda assim uma audiência) e segundo porque isso aqui é meu templo de autoafirmação. É fundamental ter um lugar pra escrever três ou quatro parágrafos por semana dizendo coisas que te identificam como a pessoa que você quer ser. Ou a pessoa que você gostaria que os outros pensassem que você é. É um jeito de economizar com, sei lá, psicólogo? Namorada? Drogas?


Posso dizer que hoje começo a entender os babacas da escola. Aqueles meninos que, minha nossa, preferiam jogar bola ou beijar meninas no recreio em vez de ir pra biblioteca ler Nelson Rodrigues. E como era divertido passar por eles com o livro debaixo do braço e uma sensação absurda de superioridade. Mas eles só estavam num outro nível. Não inferior, nem superior, mas diferente. Um nível onde as emoções são mais orgânicas e o palpitar no coração vem direto do toque, do suor, da saliva... E pra alguém que durante muito tempo só sentiu o coração bater mais forte por causa dos livros e filmes, esse novo estilo de vida tem sido um grande catalisador de infartos.

6 comentários:

Anônimo disse...

Seu texto me fez lamentar os recreios que perdi escondido na sala de aula com vergonha de ir até a biblioteca e ficar lá lendo. Pois de onde vim (interior de Minas) se os babacas da escola me virem com uma folha na mão já era o suficiente para me chamarem de nerd/CDF. Atualmente moro em BH e adoro passar horas em lugares onde eu posso tentar recuperar um pouco do meu atraso cultural.

Anônimo disse...

Na real, acho que nunca terei um estilo de vida com reações orgânicas. me perco em situações em que as únicas coisas que me importam são: ler, assistir e escrever. sou um fracasso social e isso serve para me acalmar e dar um sentido em uma coisa que não tem, a vida. Mas, sei lá. É tão empolgante a sensação de poder dizer: você pode ter beijado 5 meninas essa semana, mas pelo menos eu sei o que é Nouvelle Vague, pelo menos eu li livros essa semana, pelo menos eu tenho mais cultura.

Ananda disse...

Umas das grandes revelações da minha vida foi que sim, eu posso ser os dois. Eu posso saber o que é Nouvelle Vague e beber vinho barato na rua e ler livros de ficção científica e beijar garotos bonitos.

O ruim é que uma das coisas sempre vai te fazer falta. A vida nunca é tão completa quanto a ficção, e sempre falta um pouco de vida nas histórias.

Lucas Reis disse...

Lidar com a ficção é bem mais fácil. São emoções, de certa forma, limitadas, mais simples de serem domadas. Já a vida real é complicada, cheia de obstáculos e os sentimentos são irresistíveis.

Os caminhos reais são muito tortuosos e a gente não sabe se terá uma resolução lá no final. No romance também não, mas depois que fecho o livro, aquele problema já não interfere na realidade.

A ficção é mais simples, mas a vida é mais divertida.

Texto brilhante como todos os outros.

Danielly Stefanie disse...

Estou passando pela mesma coisa que você. Escrever um livro, uma história envolvente e bem trabalhada é difícil. No começo, até sinto uma inspiração gigantesca, mas aos poucos ela vai se apagando. Também sempre me questionava sobre o tipo de vida que levava essas garotas que viviam de baladas e beijos enquanto eu preferia ficar em casa lendo. Sei lá, vai ver elas estão certas. Mas ainda prefiro minha forma errada de viver.

Danielly Stefanie disse...
Este comentário foi removido pelo autor.