Hoje na rodoviária, estava eu no meio da fila pro 110, ouvindo o podcast do Cinema em Cena e me policiando pra não comprar outro pastel da Viçosa, quando chega uma velha e, disfarçadamente, se enfia na minha frente. Olha... Nem era o caso de atendimento preferencial, porque visivelmente a dona não tinha mais de sessenta anos. Era caso de safadeza pura e simples. E fico tão atônito, tão desconjuntado quando essas coisas acontecem que nem sei o que fazer. Passei uns dois minutos imóvel, olhando pra nuca dela com tanta força que me surpreende ela não ter quebrado o pescoço. Mas o ódio foi me subindo, silencioso e rastejante, e não aguentei. Dei uma batidinha em seu ombro e perguntei: "moça, cê tava na fila?", ao que ela respondeu "estava sim" e virou pra frente de novo. E foi isso. MAS ELA NÃO ESTAVA! Eu vi, não sou louco. Agora, o que se pode fazer? Eu que não ia armar barraco por causa de lugar em fila de ônibus. Já era humilhação bastante estar nela.
O problema é que sou terrivelmente rancoroso. Tô até agora pensando na velha e em diversas formas de tortura que envolvem desde a catraca do 110 à caldeira de óleo onde os pastéis da Viçosa são fritos. E fico morrendo de ódio da minha passividade diante dos absurdos cotidianos. Porque eu nunca falo. E depois passo o dia repetindo o discurso que eu deveria ter feito e pensando que, oh, seria lindo se eu tivesse tido coragem.
Mais tarde tomei a maior chuva de toda a minha vida. O trajeto era da parada de ônibus ao prédio do meu aluno. Uns 300 metros. Mas o céu desabava em água corrente e tive que atravessar a W3 de navio (o qual naufragou, devido a um iceberg engraçadinho e minha namorada ficou em cima de uma porta e eu morri congelado no meio da rua. Foi triste). Ainda passei uns minutos me enxugando antes de entrar no elevador e pensando em que piadinha eu faria para que a mãe do meu aluno não ficasse com (muita) pena de mim e me oferecesse uma blusa velha do menino.
Aí chego em casa com esses dois rancores enormes. A velha fura-fila e o momento Arca de Noé. Não sei o que mais me entristece. Minha impotência diante de uma velha pilantra ou minha impotência diante de São Pedro.
PS1: No último fim de semana escrevi um conto novo no Crimes por Extenso. É a história de duas crianças que acabam tendo que se esconder no mesmo lugar durante um jogo de esconde-esconde. Aí vai um trecho:
"Aos poucos Luana percebeu o que lhe ocorria e com espanto se deu conta do absurdo que era estar espremida com um garoto no meio do mato. Pra logo mais, não se espantar. E até gostar. E achar estranho. Abusado. Tinha dez anos e estava espremida com um menino no meio do mato."
PS2: Também fiz um Tumblr pra poder reblogar as coisas legais dos outros e perder ainda mais tempo com uma atividade inútil e incrivelmente prazerosa. O nome é Festa do Grand Monde (e só pode entrar quem for da alta sociedade francesa, fiquem avisados).