Não tô gostando, viu? E tenho estado irritado com todo mundo, mas fica óbvio, né? Que toda essa irritação é comigo mesmo. Não tenho me suportado de uns dias pra cá. Mas sei lá, acho que todo mundo tem uma fase assim... De descobrir que não gosta da pessoa em que se transformou.
De repente me deu uma vontade enorme de pedir desculpas pra um monte de gente. E comprar bombons e escrever bilhetes pra todo mundo. Dizendo que, olha... Eu não sou assim. Por favor, acredita. Não sei o que tá acontecendo comigo, mas esse não sou eu. Prometo melhorar. Beijos.
Só hoje fui perceber o quão séria é a minha mania de competição. Tudo porque de tarde passou Dirty Dancing na Globo e tinha um pessoal comentando no Twitter. E eu fui falar que "ok, Dirty Dancing é legal, mas Grease é bem melhor!". Assim, do nada. E joguei na cara de todo mundo que Dirty Dancing só tinha uma música (que na verdade é só uma apresentação em um palco), enquanto Grease é um musical de verdade. Depois fui assistir as duas partes de As Relíquias da Morte e segue meu primeiro comentário: "A parte 2 é muito interessante, mas a parte 1 é melhor".
Sabe? Isso deveria ser tratado, porque não é normal transformar tudo em gincana. Eu. Faço. Rankings. Essa é a minha função na vida. Faço ranking dos tios mais bacanas, das primas mais bonitas, dos colegas mais inteligentes, das melhores coxinhas da cidade... Porque alguém me ensinou (talvez minha família e seu particular vício por jogos de tabuleiro) que não basta ser bom. É preciso ser melhor que.
E aí que nesse fim de semana joguei Yahtzee com minha namorada e um amigo. Ela não é boa e ele nunca tinha jogado Yahtzee. E perdi. Perdi vergonhosamente.
O que me mata é que, pra eles, certeza que não fez a menor diferença. É só um jogo de dados. Já eu, tô aqui remoendo a derrota até hoje. Pra mim, não é SÓ um jogo de dados. É um jogo de dados. E isso é muita coisa.
Foi um semestre estranho. Comecei a dirigir, ganhei algum dinheiro com aulas particulares e meio que consegui me aproximar um pouco desse conceito de autossuficiência, que é, teoricamente, o que os adultos buscam. Por outro lado, não estudei quase nada, perdi aulas, dormi mal, comi mal e acho que nunca procrastinei com tanta propriedade. A situação ficou tão feia que hoje baixei um aplicativo que promete monitorar seu sono. Porque ainda acho que meu maior problema é não conseguir dormir 7 horas por dia.
Esse Sleep Cycle funciona assim: você marca a hora em que quer acordar e deixa o iPhone ou iPod Touch do lado do travesseiro. De acordo com os seus movimentos na cama (calculados usando o acelerômetro do aparelho), ele descobre em qual estágio de sono você se encontra. Tudo isso para evitar que você acorde mal. Ele nunca interrompe um ciclo. Pacientemente, ele espera seu momento de sono mais sensível e toca a musiquinha relaxante. Ainda não experimentei o programa e acho que começar a usá-lo nesse fim de semana pode não ser uma boa ideia.
E a gente segue fazendo o possível, né? Sleep Cycle, revista ensinando técnica de concentração, livro de auto-ajuda sobre "como não perder tempo", blocos e mais blocos de checklists... Tudo pra tentar resolver um problema que existe desde 1991 e continua sem solução: eu.
Nunca vi um cantor entrar tão sem cerimônia. Eu sou meio espetaculoso, né? E adoro essas entradas triunfais em shows. Não do tipo Xuxa em nave espacial, mas do tipo Marisa Monte que manteve todas as luzes apagadas e cantou durante uns 30 segundos no escuro até que finalmente a luz acendeu e ela estava de costas pro público. Caetano e Maria Gadú chegaram andando de mãos dadas e eu nem aplaudi, porque achei que era gente da equipe vindo dar uma última conferida no cabo do violão.
Ela sem nenhuma maquiagem, ele de camisa preta brilhante. E o show seguiu essa linha minimalista. Os dois sentados, cantando e tocando violão. Apenas. Sem conversinha fiada com o público, sem mudança de cenário ou de roupa, sem interpretações grandiosas. Nada. E segurar um show de quase duas horas só com voz e violão é pra muito pouca gente. Caetano Veloso e Maria Gadú estão entre os que conseguem.
Entraram e cantaram Beleza Pura, depois Caetano saiu e a Gadú ficou fazendo o show dela. Cantou uma versão muito boa de Laranja e quase todos os seus sucessos. Depois o Caetano voltou e eles cantaram mais uma e depois ela saiu, deixando ele fazer seu show. E é claro que suas músicas eram bem mais cantadas que as dela. E ele era bem mais aplaudido que ela. E o mais interessante: quando Maria Gadú saiu do palco, em vez de ir pro camarim, sentou em uma caixa de som e ficou assistindo dos bastidores. Quem não ficaria?
No final os dois voltaram a se unir e cantaram a tríade: Vaca Profana, Rapte-me, Camaleoa e Leãozinho. Tudo com muita sintonia e pouca afetação (só o Caetano que às vezes danava a fazer gestos vergonhosos com os braços). Afinal, quem canta como ele ou toca como ela não precisa de mais nada. Nem de uma entrada grandiosa.
Tirei essas fotos que estão entre os parágrafos e fiz alguns vídeos. O mais completinho é esse aí de baixo:
Era pra eu ter escrito sobre A Pele que Habito, novo longa de Pedro Almodóvar, na semana passada, mas alguma coisa me fez perder a hora.
Sou entusiasta desses diretores autorais com estilão marcante: Woody Allen, Tarantino, Scorsese, Tim Burton, Sofia Coppola, Christopher Nolan, Jason Reitman... Todos eles acabaram se tornando mais importantes que suas obras. O nome vem acompanhado de pompa e boa dose de expectativa. E não sei até que ponto essa mania de grife cinematográfica pode prejudicar a boa avaliação de uma fita. No caso de A Pele que Habito, posso garantir que fiz um esforço pra não achar genial de cara.
É talvez a história mais bizarra que o diretor espanhol já se propôs a contar. Roberto Ledgard (Antonio Banderas) é um cirurgião plástico que vive assombrado por duas tragédias pessoais: o estupro sofrido por sua filha e o acidente que culminou na carbonização do corpo de sua mulher. Essa última é a principal motivação dos projetos recentes do Dr. Ledgard. Ele vem trabalhando no desenvolvimento de uma super-pele, imune a queimaduras e picadas de insetos, por exemplo, e pra isso, usa uma misteriosa cobaia, mantida trancafiada em sua própria casa.
No começo tudo parece estranhamente confuso e a narrativa não linear não ajuda muito a esclarecer as coisas. Mas é justamente esse o maior trunfo do roteiro de Almodóvar. Ele sabe como ninguém a hora certa de soltar cada informação. Até que, de repente, a confusão vira espanto. Muito espanto. E a partir daí, é melhor calar meus dedos pra não estragar a surpresa.
Dizem que A Pele que Habito é a coisa mais diferente que o diretor já fez, mas todas as suas marcas estão lá: as longas cenas de valor estético, a metalinguagem, o dramalhão romântico e a queda pelo ridículo. Tudo muito bem orquestrado, como já era de se esperar. E já deixando de lado a tentativa de desvincular a criatura do criador, podemos dizer que A Pele que Habito é mais um acerto de Almodóvar. Mais um acerto de alguém que, ultimamente, tem errado muito pouco.
A Piauí do mês passado trouxe um dos textos mais tristes que já li na vida. É uma espécie de diário escrito por pilotos kamikazes do Japão, durante a Segunda Guerra Mundial. Pelo que entendi, os militares escolhiam aleatoriamente estudantes da Universidade de Tóquio e os convidavam a se alistar. A maioria deles tinha entre 19 e 22 anos de idade. Eram jovens cultos, bem criados, cheios de ideologia e patriotismo. Todos tinham pleno conhecimento de que, a qualquer momento, teriam que mergulhar com um avião carregado de explosivos contra algum navio inimigo e dariam sua vida pelo país.
Os trechos foram tirados de diários e cartas escritas pelos meninos. Alguns falavam sobre honra, outros sobre o medo da morte. Não consegui captar até que ponto eles estavam dispostos a se sacrificar e até que ponto foram forçados. Passei uma tarde inteira pensando neles. Em como deve ficar a cabeça de alguém com data marcada pra morrer.
Selecionei as partes que mais me interessaram ou comoveram.
Sasaki Hachirõ
"Soa a sentimentalismo, mas, se você precisa morrer, que seja de uma forma bela."
"Sei que posso morrer a qualquer momento, e por isso deixo tudo o que é meu arrumado; vivo uma vida organizada e tiro fotografias para a posteridade."
"Achei uma aranha minúscula dentro do meu livro. Num impulso de malvadeza, aproximei meu cigarro da aranha, que se pôs a correr freneticamente. Coloquei o cigarro aceso à sua frente, ela mudou de rota. Repeti o ato várias vezes até a aranha se imobilizar. Deixei-a sossegada por um tempo. Num novo impulso, aproximei o cigarro aceso por cima, e ela voltou a correr. Continuamos assim por uns dois minutos. Ela então cansou, encolheu as pernas e tornou-se imóvel mesmo sem ter sido tocada pela brasa do cigarro."
Hayashi Tadao
"Sigo uma agenda diária que me impus: ler cinco páginas em inglês e 100 em japonês... Durante meus anos de colegial me proponho a ler 300 livros em japonês, quinze em inglês (além dos do currículo escolar) e melhorar meu condicionamento físico com 30 minutos de exercícios diários. Não ler enquanto descanso."
"Japão, por que eu não te amo e não te respeito?"
"Preciso ser sincero. O desejo sexual é doloroso. Olho para mim, tomado pela vontade de união física. Em seguida combato o impulso como se fosse sujo e feio, resultado da minha raiva por não satisfazer o desejo. Por outro lado, sonho em aspirar o cheiro do suor [de uma amante] que excita, o cheiro do corpo do sexo oposto, o toque em um corpo quente, a euforia do enlace de duas pessoas apaixonadas se descobrindo, sem o sentimento da vergonha, a dança selvagem do ato, o adormecer abraçado e a doce sensação de despertar a seu lado – são todas imagens que me atormentam. Luto diariamente com esta dor. Preciso assumir o controle sobre mim!"
"Não fujo do sacrifício. Mas martírio e sacrifício devem ser feitos no auge da realização pessoal. Sacrifício ao término do autoaniquilamento, da dissolução do seu ser, não tem nenhum significado."
"Estamos todos pessimistas quanto à possibilidade de voltar para casa. Se eu não conseguir sair da Marinha, vou enlouquecer. No momento eu só quero ler livros e nesse estado de espírito não vou conseguir lutar na guerra... Não tenho paixão. Sinto perda e indiferença. Não me importa o que venha a acontecer. O sentimento mais penoso e insuportável deriva dessa vida de forçada indiferença. A parte dura não é morrer, é viver."
"Sinto-me cada vez mais atraído pela solidão, preces, dívida e responsabilidade social, mas nenhum sentimento de amor, que me parece remoto demais no momento."
Carta de despedida de Hayashi Ichizõ à mãe:
"Hoje metade de nossa unidade mergulhou sobre navios inimigos ao largo de Okinawa. Não temos luz, por isso escrevo perto de uma fogueira.
Mando lembranças a todos. Não me resta tempo para escrever-lhes. Vamos afundar navios inimigos. O uniforme de um piloto tokkōtai para sua última missão inclui uma bandana com o sol nascente e uma echarpe de seda branca em volta do pescoço... Para meu último voo vou enrolar no meu corpo a bandeira do Sol Nascente que você me deu e vou colocar uma foto sua no peito... Quando você ouvir pelo rádio que navios inimigos foram afundados, por favor lembre que mergulhei em um deles.
Amanhã não estarei mais vivo. Os que saíram em missão ontem estão todos mortos? Não consigo crer que seja real. Sinto como se fossem retornar de repente. Você talvez pense a mesma coisa em relação a mim. Mas, por favor, desista. Por favor, chore. Mas, por favor, não fique tão triste.
Parto antes de você. E me pergunto se me será permitido ir para o céu. Ore por mim, mãe. Não suportaria a ideia de ir para um lugar onde você não se juntará a mim mais tarde.
Amanhã mergulho contra uma flotilha de porta-aviões inimigos. Se você fizer um funeral religioso, coloque a data certa: 10 de abril."