Durante muito tempo esperei por essa viagem pra Belo Horizonte, exatamente como uma criança espera pelo Papai Noel. Fantasiando, é claro, uma perfeição que nunca existiu na capital mineira. Voltei essa semana e me vi completamente perdido, sem saber onde enfiar toda aquela ansiedade que antes tinha um alvo fácil. O melhor da festa é mesmo esperar por ela.
Agora me pego revivendo tudo com uma nostalgia absurda e uma melancolia torturante. Tudo mitificado, muito maior e muito melhor do que realmente foi. E só penso naquelas pessoas com quem dividi momentos de extrema intimidade e das quais não sei nem o nome. Viraram rostos cada vez mais desfocados e impessoais, o que me permite confirmar que eram lindas, já que as únicas testemunhas são meus olhos míopes e cansados de três da manhã. Onde elas estariam agora? O que fazem numa tarde de sábado?
Na Wikipédia tá escrito que nostalgia é um sentimento que surge a partir da sensação de não poder mais reviver certos momentos da vida. E eu tenho esse hábito de pegar a nostalgia pelo braço, andar com ela pela casa, oferecer meu travesseiro, etc. E ela adora, né? Se esparrama... Acaba ocupando mais da metade do colchão e me reservando um espaço mínimo entre a fronha e os livros que não param de se acumular no criado mudo.
Passo dias com uma enorme sensação de E agora, José? que, pra mim, é a melhor descrição de nostalgia instantânea. É aquilo de querer abrir a porta e não existir mais porta. De querer voltar pra Minas e Minas não há mais.
JOSÉ
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, pra onde?
Carlos Drummond de Andrade