domingo, 22 de maio de 2011

Forçando a Barra


Gosto muito de uma cena de Vicky Cristina Barcelona, onde a Cristina (Scarlett Johansson) se queixa de não ter talento, apesar de saber apreciar arte com bastante propriedade. Ela diz: "I just have to come face to face with the fact that I am not gifted, you know? I can appreciate art and I love music, but… It’s sad, really, because I feel like I have a lot to express and I am not gifted." Não vou fazer o modesto e dizer que não tenho talento. Até acho que ele existe em alguma proporção. Mas esse sentimento de que sempre tenho muito mais a expressar do que sou capaz é constante.

É complicado falar de talento. Porque tem gente que vê alguém tocando piano com desenvoltura e vai logo dizendo: "olha que dom maravilhoso esse menino recebeu" e, na verdade, só o menino sabe o tanto de horas que passou treinando e praticando antes de "receber" seu dom. É ilusão acreditar que as pessoas saem pegando um caderno (abrindo o Word, no caso) e escrevendo lindos contos, poemas ou romances. Escrever é um trabalho muito menos criativo do que se imagina. A criatividade é importante, lógico. Existe aquele momento em que a história surge na nossa cabeça e que alguns chamam de inspiração, mas isso é só o começo. A partir daí é preciso usar todo o seu vocabulário, experiência e conhecimento da língua pra pegar essa inspiração e transformar em texto.

Nunca tive problemas com a parte da criatividade, mas tentar transmitir esses sentimentos através de um código é sempre problemático. Por isso, estou convencido de que praticar a escrita é a única forma de realizar uma comunicação mais eficiente com o leitor. É preciso dominar as ferramentas. E resolvi criar um lugar onde eu possa treinar, publicando trabalhos um pouco mais pensados e polidos que os textos desse blog (já que o que eu faço aqui é simplesmente vomitar). Talvez assim eu me sinta desconfortável em manter um site desatualizado e acabe me obrigando a escrever mais.

Então, ainda que sem confiança no meu talento, a partir do dia 28 de maio entro para o seleto grupo de escritores de blogs metidos à literatura. Aguardem.

11 comentários:

Ná Lima disse...

Te acompanho desde o falecido Frenesi, só não comento com a mesma freqüência que leio.
Acho que tenho a consciência de que ninguém nasce com dom, mas com a prática e o empenho, acaba se tornando bom naquilo que faz. Isso se encaixa a você com a facilidade que transpassa em seus textos. Parece que você os escreveu na hora e publicou, porém, imagino que foram relidos e reeditados.

Acho que vou gostar da sua 'metidez' literária, você tira de letra. Literalmente.

:)

Manuel disse...

Uma coisa que queria ter falado com você (e acho que quem falou isso foi o Idelber) é o seguinte: um bom escritor tem de, obrigatoriamente, ter uma boa formação literária, ou seja, tem de conhecer os clássicos (os livros que mais influenciaram, ou que são tido como tendo influenciado mais a literatura da sua época), e os contemporâneos, que poderão ser os clássicos do futuro. Isso já garante, pelo menos, que ele saiba o que já foi tentado, evite ficar repetindo o já feito e possa inovar. Ele pode se colocar como mais um de uma linhagem, e ter uma noção melhor do que pode contribuir. Aumenta também, é claro, seu repertório cultural e a quantidade de narrativas com que ele pode dialogar.

O Idelber dizia que tinha muita gente publicando no Brasil sem ter noção das questões levantadas por outros que os antecederam, dos problemas que poderiam resolver. E que, na Argentina, um país com tradição literária mais sólida, isso seria impensável.

Manuel disse...

Na verdade, acho que o Idelber falava sobre escritores brasileiros que nem conheciam Machado, enquanto um argentino jamais se chamaria de escritor sem ter lido Sarmiento (autor do livro que, segundo o Idelber, inventou a Argentina).

Tyler Bazz disse...

Vai ser muito bem-vindo, viu! Certeza que todo mundo vai sair ganhando com isso...

Di disse...

Assusto quando leio alguns blogs, pq sempre encontro alguns dos meus pensamentos escrito por pessoas que eu nem conheço. É o que aconteceu com este post. Talvez eu não seja tão único igual eu pensava. Bem, que venha a nova fase, fico na espera.

Manuel disse...

Até mesmo para a história "surgir na cabeça", é impossível atribuir isso apenas à "inspiração". Na verdade, perguntas e histórias nos ocorrem à medida que vamos lidando com a realidade, vamos tendo contato com outras histórias, vamos vivendo experiências (diretamente ou por meio dos outros). A imaginação sozinha, por mais poderosa que seja, não vai muito longe.

Sem falar nas teorias que dizem que aprendemos a ser criativos (o que me parece verdade). Não é à toa que há tantos cursos de "creative writing" e coisa assim.

Trauti Lang disse...

Acredito em dom. É muito mais raro do que imaginam, mas existe. Há quem saia tocando, escrevendo, cantando e pintando como alguém que sai respirando. Há também quem precisa treinar constantemente seu talento. São distintos :)

Manuel disse...

Eu não consigo imaginar. Alguém de fato dizer alguma coisa relevante, construir algo numa tradição literária, sem conhecer essa tradição. O que não quer dizer necessariamente ser um grande leitor. Um índio que conte histórias novas, ou de um jeito novo (mesmo sem saber q são novas), em outras palavras, q contribua à tradição literária de seu povo, teve de conhecer essa tradição. O mesmo se pode dizer dos repentistas nordestinos ou contadores de história do interior mineiro. A tradição pode ser oral, mas aqueles q se destacam nela a conhecem muito bem. Pode olhar nossos grandes escritores. Guimarães Rosa, Drummond, Clarice, Machado, Borges, Ezra Pound, Proust etc. Eles conheciam tudo da tradição. Pra mim, é uma condição necessária mesmo. O que não quer dizer q seja condição suficiente, senão os acadêmicos de literatura seriam os melhores escritores.

Deyse Batista disse...

Encontrei o seu blog meio por acaso no Psiquê Cotidiana e depois de mil elogios da Gabi, vim aqui de fato comprovar que é um espaço bem interessante.
O seu texto toca em uma questão que eu sempre senti, mas, adivinha? Nunca consegui transmitir essa inquietação de forma no mínimo aceitável. Gostei bastante - do espaço e das suas palavras e só quero ver o que virá a partir do 28 de maio :)

Gab disse...

Sou quase sempre, ou sempre uma leitora anônima. Eu sei, isso é chato.
Me senti identificada com teu texto. Minha família [que são as unicas pessoas que leem meus textos mais "profundos"] diz que tenho o tal do dom, mas só eu sei o quanto eu peno para passar para o papel o que eu to pensando ou sentindo. Achei o máximo você publicar esses textos. (:
Um beijo.

Matheus Rufino disse...

hummm, que vômitos agradáveis de consumir! hahaha

Mas então, nunca sei se me falta talento, disposição, coragem, falta de prática ou tudo isso. Pessimista que sou, cada vez mais penso que é tudo isso, mas ainda há alguma esperança, ainda acho que tento fazer algo bem. Só não sei o quê.

Quanto a você, acho que tem de tudo um pouco. Keep going, garoto, you're doing good ;)

P.S.: me dedicarei aos Crimes assim que dar cabo da Morte! hohoho