Gosto muito de uma cena de Vicky Cristina Barcelona, onde a Cristina (Scarlett Johansson) se queixa de não ter talento, apesar de saber apreciar arte com bastante propriedade. Ela diz: "I just have to come face to face with the fact that I am not gifted, you know? I can appreciate art and I love music, but… It’s sad, really, because I feel like I have a lot to express and I am not gifted." Não vou fazer o modesto e dizer que não tenho talento. Até acho que ele existe em alguma proporção. Mas esse sentimento de que sempre tenho muito mais a expressar do que sou capaz é constante.
É complicado falar de talento. Porque tem gente que vê alguém tocando piano com desenvoltura e vai logo dizendo: "olha que dom maravilhoso esse menino recebeu" e, na verdade, só o menino sabe o tanto de horas que passou treinando e praticando antes de "receber" seu dom. É ilusão acreditar que as pessoas saem pegando um caderno (abrindo o Word, no caso) e escrevendo lindos contos, poemas ou romances. Escrever é um trabalho muito menos criativo do que se imagina. A criatividade é importante, lógico. Existe aquele momento em que a história surge na nossa cabeça e que alguns chamam de inspiração, mas isso é só o começo. A partir daí é preciso usar todo o seu vocabulário, experiência e conhecimento da língua pra pegar essa inspiração e transformar em texto.
Nunca tive problemas com a parte da criatividade, mas tentar transmitir esses sentimentos através de um código é sempre problemático. Por isso, estou convencido de que praticar a escrita é a única forma de realizar uma comunicação mais eficiente com o leitor. É preciso dominar as ferramentas. E resolvi criar um lugar onde eu possa treinar, publicando trabalhos um pouco mais pensados e polidos que os textos desse blog (já que o que eu faço aqui é simplesmente vomitar). Talvez assim eu me sinta desconfortável em manter um site desatualizado e acabe me obrigando a escrever mais.
Então, ainda que sem confiança no meu talento, a partir do dia 28 de maio entro para o seleto grupo de escritores de blogs metidos à literatura. Aguardem.
11 comentários:
Te acompanho desde o falecido Frenesi, só não comento com a mesma freqüência que leio.
Acho que tenho a consciência de que ninguém nasce com dom, mas com a prática e o empenho, acaba se tornando bom naquilo que faz. Isso se encaixa a você com a facilidade que transpassa em seus textos. Parece que você os escreveu na hora e publicou, porém, imagino que foram relidos e reeditados.
Acho que vou gostar da sua 'metidez' literária, você tira de letra. Literalmente.
:)
Uma coisa que queria ter falado com você (e acho que quem falou isso foi o Idelber) é o seguinte: um bom escritor tem de, obrigatoriamente, ter uma boa formação literária, ou seja, tem de conhecer os clássicos (os livros que mais influenciaram, ou que são tido como tendo influenciado mais a literatura da sua época), e os contemporâneos, que poderão ser os clássicos do futuro. Isso já garante, pelo menos, que ele saiba o que já foi tentado, evite ficar repetindo o já feito e possa inovar. Ele pode se colocar como mais um de uma linhagem, e ter uma noção melhor do que pode contribuir. Aumenta também, é claro, seu repertório cultural e a quantidade de narrativas com que ele pode dialogar.
O Idelber dizia que tinha muita gente publicando no Brasil sem ter noção das questões levantadas por outros que os antecederam, dos problemas que poderiam resolver. E que, na Argentina, um país com tradição literária mais sólida, isso seria impensável.
Na verdade, acho que o Idelber falava sobre escritores brasileiros que nem conheciam Machado, enquanto um argentino jamais se chamaria de escritor sem ter lido Sarmiento (autor do livro que, segundo o Idelber, inventou a Argentina).
Vai ser muito bem-vindo, viu! Certeza que todo mundo vai sair ganhando com isso...
Assusto quando leio alguns blogs, pq sempre encontro alguns dos meus pensamentos escrito por pessoas que eu nem conheço. É o que aconteceu com este post. Talvez eu não seja tão único igual eu pensava. Bem, que venha a nova fase, fico na espera.
Até mesmo para a história "surgir na cabeça", é impossível atribuir isso apenas à "inspiração". Na verdade, perguntas e histórias nos ocorrem à medida que vamos lidando com a realidade, vamos tendo contato com outras histórias, vamos vivendo experiências (diretamente ou por meio dos outros). A imaginação sozinha, por mais poderosa que seja, não vai muito longe.
Sem falar nas teorias que dizem que aprendemos a ser criativos (o que me parece verdade). Não é à toa que há tantos cursos de "creative writing" e coisa assim.
Acredito em dom. É muito mais raro do que imaginam, mas existe. Há quem saia tocando, escrevendo, cantando e pintando como alguém que sai respirando. Há também quem precisa treinar constantemente seu talento. São distintos :)
Eu não consigo imaginar. Alguém de fato dizer alguma coisa relevante, construir algo numa tradição literária, sem conhecer essa tradição. O que não quer dizer necessariamente ser um grande leitor. Um índio que conte histórias novas, ou de um jeito novo (mesmo sem saber q são novas), em outras palavras, q contribua à tradição literária de seu povo, teve de conhecer essa tradição. O mesmo se pode dizer dos repentistas nordestinos ou contadores de história do interior mineiro. A tradição pode ser oral, mas aqueles q se destacam nela a conhecem muito bem. Pode olhar nossos grandes escritores. Guimarães Rosa, Drummond, Clarice, Machado, Borges, Ezra Pound, Proust etc. Eles conheciam tudo da tradição. Pra mim, é uma condição necessária mesmo. O que não quer dizer q seja condição suficiente, senão os acadêmicos de literatura seriam os melhores escritores.
Encontrei o seu blog meio por acaso no Psiquê Cotidiana e depois de mil elogios da Gabi, vim aqui de fato comprovar que é um espaço bem interessante.
O seu texto toca em uma questão que eu sempre senti, mas, adivinha? Nunca consegui transmitir essa inquietação de forma no mínimo aceitável. Gostei bastante - do espaço e das suas palavras e só quero ver o que virá a partir do 28 de maio :)
Sou quase sempre, ou sempre uma leitora anônima. Eu sei, isso é chato.
Me senti identificada com teu texto. Minha família [que são as unicas pessoas que leem meus textos mais "profundos"] diz que tenho o tal do dom, mas só eu sei o quanto eu peno para passar para o papel o que eu to pensando ou sentindo. Achei o máximo você publicar esses textos. (:
Um beijo.
hummm, que vômitos agradáveis de consumir! hahaha
Mas então, nunca sei se me falta talento, disposição, coragem, falta de prática ou tudo isso. Pessimista que sou, cada vez mais penso que é tudo isso, mas ainda há alguma esperança, ainda acho que tento fazer algo bem. Só não sei o quê.
Quanto a você, acho que tem de tudo um pouco. Keep going, garoto, you're doing good ;)
P.S.: me dedicarei aos Crimes assim que dar cabo da Morte! hohoho
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