sábado, 12 de março de 2011

Arizona Nunca Mais


Rango, a primeira animação de Gore Verbinski (diretor de Piratas do Caribe), conta a história de um camaleão, criado em aquário, que acaba perdido num deserto hostil e perigoso. Rango é um ator. Um ator tão bom que se perde nos inúmeros personagens que sua condição camaleônica proporciona. De repente ele se vê jogado num mundo real, não num palco, e precisa usar tanto suas habilidades cênicas quanto sua sorte fora do comum para escapar com vida de um terreno inóspito; e nesse meio caminho, talvez, descobrir quem realmente é.

A cidade que abriga nosso frágil protagonista é habitada por roedores e répteis dos mais diversos tipos (todos com características humanas peculiares, rostos sofridos ou marcas de idade). A água, que nunca foi muito abundante por aquelas bandas, praticamente desapareceu; e os moradores parecem não ter mais perspectivas de uma vida melhor. Então surge esse camaleão, disposto a bancar o herói, e que, na sua luta pela sobrevivência, acaba tornando-se a única esperança da cidade.


Rango é um western clássico (com mocinha, herói e pistoleiros), o que já é bastante inovador para o terreno dos filmes animados. Além disso, percebe-se um esforço para tornar cada ângulo único e inesperado. A trilha sonora de Hans Zimmer (acho que esse homem fez 9 das 10 trilhas sonoras deslumbrantes da última década), ao mesmo tempo que evoca um outro tempo, brinca com referências cinematográficas de um jeito particularmente moderno.

Gosto quando sou pego de surpresa numa sala de cinema (o que não é mais possível com os filmes da Pixar, por exemplo, porque a gente já vai esperando algo sensacional), e Rango definitivamente superou minhas expectativas. Não sei se o público infantil vai ser capaz de compreender e curtir todas as figuras de linguagem embutidas no desenho, mas ainda que o filme não fosse tão profundo (e é), ele já seria uma aventura das mais divertidas.

quarta-feira, 9 de março de 2011

De Tudo, ao Meu Amor Serei Atento

Somos crianças que não cresceram, brincando de namorar.
Todo mundo sabe que ciúme é a causa mortis de 9 entre 10 relacionamentos. O problema é que a falta dele pode ser tão prejudicial quanto. Nenhum romance é saudável se houver possessividade e desconfiança, mas também ninguém quer namorar um robô, incapaz de demonstrar qualquer tipo de medo ou instabilidade. E eu sempre fui do grupo inteligência artificial. Não que eu seja imune ao ciúme. Pelo contrário. Sou extremamente apegado à tudo, mas considero sinal de fraqueza demonstrar esse apego.

Massageia o ego saber que sua namorada tem medo de te perder. E, de uma forma ou de outra, a gente está sempre tentando alimentar esse medo. Porque sem ele, não dá pra saber se somos realmente amados. Acaba que o mais inseguro não é o ciumento, mas seu objeto de ciúmes. Porque é ele quem precisa dessa confirmação diária de apreço. Em contrapartida, ele não está disposto a dar essa confirmação. Ele precisa manter uma espécie de imagem inabalável, de alguém muito seguro de si, e essa imagem não pode ser arranhada por uma imperfeição tão humana.

E quanto menos a pessoa se sente amada, mais insegura ela fica, e mais ciumenta ela é, e mais seguro fica o outro, e menos ciúme ele demonstra, e tudo se repete, num loop infinito.

PS: Acho isso tudo tão infantilóide, que é mesmo vergonhoso eu ter chegado a esse ponto. De precisar desabafar.

segunda-feira, 7 de março de 2011

A Mesma Cozinheira

Chegou no barracão soltando fumaça.

— Quem ela pensa que é? "Isso aqui tá imundo!" Imunda tá cara dela, que eu passei a tarde inteira limpando aqueles vidros...

— Calma, mãe. — pediu a filha mais velha, levantando do sofá.

— Isso não é justo! — ela começava a tirar a roupa, indignada — Trabalhar em casa de família só dá nisso mesmo... É uma humilhação atrás da outra.

Tomou banho, ligou a TV de 17 polegadas no jornal e foi preparar o jantar dos filhos. Mas continuava nervosa, com uma centena de desaforos intalados na garganta.

— Ela se acha muito chique, comendo naquelas louças importadas dela... Mas a comida que eu faço lá, eu faço do mesmo jeitinho aqui em casa. Vocês, pobres do jeito que são, têm a mesma cozinheira que ela.

O filho do meio pegou um prato e foi se servir no fogão.

— A única diferença é que os ingredientes de lá são melhores, né mãe?

— Não. A única diferença é que na comida dela... Eu cuspo!

PS: Conto escrito por mim em março do ano passado e publicado no falecido Frenesi.

terça-feira, 1 de março de 2011

Parachute


Descobri o novo single da Ingrid Michaelson na noite de ontem e, de lá pra cá, já ouvi cerca de sete vezes. Acho que posso me orgulhar de ser um dos maiores conhecedores de Ingrid Michaelson do Brasil, porque aqui quase ninguém conhece. Tenho seus quatro álbuns (todos ótimos) e sei a maioria das faixas de cor. É o tipo de CD que sempre sobrevive às atualizações do iPod, porque a música dela tem a incrível vantagem de nunca enjoar. Durante muito tempo esse foi meu maior segredo musical, mas em maio do ano passado gravei um cover de You and I com minha irmã e todo mundo (três pessoas) começou a perguntar que música era aquela.

Parachute, sua primeira promessa pra um novo álbum, fala sobre um casal que todo mundo quer ver fracassar (coisa que quase não acontece nesse mundo de solteiros invejosos, não é mesmo?). E ela diz que não vai contar pra ninguém sobre como eles são felizes juntos, pra evitar o mal olhado. Não sei nem o que dizer, porque é exatamente o tipo de política que eu adoto no meu namoro. Tem dado certo. O refrão é sobre ela não precisar de paraquedas quando está com ele e a partir daí começa uma série de metáforas sobre os dois caindo, segurando um ao outro.

Just hold on to me, I'll hold on to you
It's you and me up against the world


E o que dizer desse vídeo? Acho a Ingrid linda e com uma sensualidade velada que é de matar. Adorei a batida um pouco mais grave que o normal, os vocais do início (a especialidade dela, inclusive, né? fazer pa-ra-ras e pa-ra-pas), a montagem cheia de takes repetidos pra combinar com a música e toda essa atmosfera urbana de vídeo gravado às sete da matina. Sem falar nos óculos novos, que caíram muito bem. Não sei quando sai o próximo álbum, mas se depender de mim, até o fim do ano Ingrid Michaelson já entrou pra lista de mais baixadas do iTunes.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Propaganda Enganosa


Não escondi de ninguém o quanto eu estava empolgado com essa edição do Oscar. Como eu adoro Anne Hathaway e como achei que ela tinha se entrosado perfeitamente com o James Franco. Amei os comerciais que circularam na TV americana e na internet, e fiquei in fire depois que vi o suposto vídeo de um ensaio dos dois dançando com o figurino de Grease. Mas a cerimônia foi das mais sonolentas em anos. Não teve entrosamento e quase nenhuma apresentação ao vivo (fazer clipe, eu também faço).  Não sei vocês, mas na minha terra isso chama propaganda enganosa.

A premiação começou me dando dois sustos: Alice no País das Maravilhas levou direção de arte (onde o favorito era O Discurso do Rei) e A Origem ficou com melhor fotografia (tirando a única provável estatueta de Bravura Indômita). Felizmente as coisas se normalizaram a partir daí e eu consegui alcançar o pessoal do bolão. Os prêmios principais foram bem fáceis de prever. Muita gente tinha apostado em David Fincher como melhor diretor, mas eu sabia que a Academia ia ser coerente, dando os dois prêmios principais pro mesmo filme. Ganhou o rei gago.


Adorei ver o talento de Natalie Portman finalmente reconhecido. E dizem que ela está levando multidões ao cinema. O povão está indo ver Cisne Negro e, por mais que irrite os hipsters cinéfilos descoladszzz, isso é ótimo. Colin Firth também ganhou o Oscar, que merecia desde o ano passado, quando viveu o professor homossexual de Direito de Amar. Toy Story 3 levou melhor canção original e melhor animação quando na verdade deveria ganhar todos os prêmios do universo, mas a Pixar não conseguiu fazer um combo e emplacar Dia e Noite como melhor curta animado.

O pior é que sempre vivo um dilema nessas premiações. Porque o certo seria torcer pelos filmes e atores que eu considero merecedores do prêmio. É o que toda pessoa apaixonada por cinema faria; mas acabo sempre torcendo mesmo pros meus palpites nos bolões. Terrível, eu sei. Passo a cerimônia inteira torcendo pra Academia ser o mais previsível possível e quando a festa acaba, olho pra trás e reclamo por ter sido previsível demais.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Derrota Sobre Derrota

No primeiro dia de aula do pré-vestibular, o coordenador entrou na sala pra fazer um discurso motivacional. É o tipo de coisa que meu cursinho preza muito, trabalhar o psicológico dos candidatos, e eu acho realmente importante. Então, o cara começou a falar: "aqui existem dois tipos de aluno: os que acabaram de chegar do terceiro ano e os que vêm de pelo menos dois vestibulares passados. Querendo ou não, esse último grupo vem de duas derrotas consecutivas." *silencio no hay banda* "Então, eles não estão de bom humor. Não estão aqui pra fazer amizade. A única coisa que querem é sair dessa bolha do tempo que é ver seus amigos entrando na universidade e você, imóvel numa sala de aula".

Todo mundo sabe que pré-vestibular é uma das fases mais angustiantes na vida de qualquer pessoa que não tem dinheiro pra pagar uma faculdade particular sonha com uma universidade pública. É o tipo de coisa que não precisa ser dita. Tá nos nossos olhos. E o que o cursinho tenta fazer é reduzir ao máximo esse tempo de angústia. Pra isso, existe todo um treinamento militar, que me deixou um pouco horrorizado nos primeiros dias. Nós não estamos lá pra adquirir conhecimento. Os professores deixam isso muito claro. Estamos lá pra aprender a fazer prova. É um sistema extremamente canalha, eu sei, mas quando o nosso futuro está em jogo, acho razoável deixar algumas ideologias pra mais tarde. E se multiplicam as monitorias e plantões de dúvidas e acompanhamentos pedagógicos e planejamentos de estudo e tardes inteiras de persistência e dor de cabeça... Tudo pra fazer você acumular o maior número de pontos e atingir seu objetivo. E o objetivo de ninguém é aprender (pelo menos não todas essas matérias lindas), a gente quer é dinheiro, etc.

Fico muito assustado com a ideia de que vou estar gastando os próximos 5 meses em preparação pra um evento que dura apenas 5 horas. E se eu não estiver num dia bom? E se o pneu do carro furar? Se eu acordar com 39 de febre? Sabe? É muito esforço pra pouca garantia. E nem é uma prova subjetiva, é de certo ou errado... No fim, sempre penso que tudo se resume a marcar bolinhas. Não passa no vestibular quem tem mais conhecimento. Passa quem marcou as bolinhas no lugar certo.

Toda essa preparação, essa fragilidade do momento, tudo isso me deixa muito inseguro. Acho que nem é por mim. Se eu vivesse sozinho no planeta Terra, não me importaria em passar os próximos 2 anos estudando. Por outro lado, eu não suportaria nem mais um semestre com as pessoas me perguntando o que eu ando fazendo da vida, e eu tendo como resposta um atestado de fracasso.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Top 10 - Filmes do Oscar 2011

Não foi uma safra espetacular, mas achei melhor que o ano passado, quando tivemos Um Sonho Possível (aquela calamidade com Sandra Bullock) figurando entre os indicados. Aqui vai a lista dos 10 filmes que estão no páreo esse ano, organizados de acordo com a minha preferência. Não se trata de quem eu acho que vai ganhar o Oscar, mas de quem eu acho que deveria ganhar.

10. Bravura Indômita


Os irmãos Coen são muito talentosos e já levaram o Oscar por Onde os Fracos Não Têm Vez, que é bem mais ousado que esse Bravura Indômita. Aqui, fazem o remake de um filme que  ainda não vi (o que me permitiu avaliar sem preconceitos) e parecem se contentar com as excelentes atuações de Jeff Bridges e Hailee Steinfeld (a garotinha de 14 anos, forte concorrente ao Oscar de coadjuvante). Faltou aquele humor negro delicioso que deixa a gente com vergonha.

9. Inverno da Alma


Inverno da Alma é um filme cru, sem muitos recursos, montagem elaborada ou outros fricotes. Por isso, tão difícil de assistir... Desagradável. Conta a história de uma adolescente (Jennifer Lawrence, a revelação do ano) que precisa encontrar seu pai (um traficante da região, que sumiu deixando dívidas) para não perder sua casa, onde cria os dois irmãos mais novos, já que a mãe é inválida. Ao longo da busca, somos apresentados aos personagens da vizinhança, que são violentos, instáveis, assustadores mesmo. E existe esse medo muito grande, durante todo filme, de que ela se dê mal.

8. O Vencedor


Christian Bale é, talvez, a maior certeza do Oscar 2011. Magro e cheio de trejeitos, ele vive um ex-lutador que sofre com a dependência do crack. Seu irmão mais novo, que também luta, funciona como um depósito dos seus sonhos frustrados. Mas O Vencedor não é um filme de boxe. É um drama familiar. E além do Bale, temos Melissa Leo, fazendo uma mãe nada imparcial, e Amy Adams, finalmente em um papel menos adocicado. Com esse elenco, o filme nem precisa ser bom.

7. Minhas Mães e Meu Pai


O indie do ano (ao lado de Juno e Pequena Miss Sunshine nos anos anteriores), Minhas Mães e Meu Pai une um elenco muito entrosado, diálogos inteligentes e ótima trilha sonora pra compôr uma agradável crônica dos nossos tempos. Achei engraçado que Annette Bening foi indicada ao Oscar e Julianne Moore não. E eu acho o papel da Julianne, nesse filme, bem mais difícil. É ela quem vive todo o conflito da traição e da vergonha perante uma família muito bem estruturada. Acho que foi uma daquelas indicações por dívida.

6. O Discurso do Rei


É inegável a beleza de O Discurso do Rei. O filme parece uma jóia, cuidadosamente polida. Tudo é muito caprichado. Desde o figurino e direção de arte até a fotografia (com um enquadramento não convencional). É o favorito ao Oscar, porque os acadêmicos nunca resistem à monarquia inglesa (morrem de inveja, na verdade). E Colin Firth faz um trabalho sublime como o rei gago em busca de tratamento. Mas eu não quero que O Discurso do Rei leve o prêmio principal. Considero um retrocesso da Academia, que vinha finalmente se libertando do clássico cinemão.

5. 127 Horas


127 Horas é um filme feito com apenas um personagem, sua agonia, seus medos e seus sonhos. A direção brilhante de Danny Boyle (já coroado por Quem Quer Ser um Milionário?) consegue pegar esse material aparentemente escasso e transformá-lo numa obra intensa e sensível. E nós, que estamos presos ali com o James Franco, acabamos por avaliar nossa própria vida. O que pode ser ainda mais doloroso que ter o braço arrancado.

4. A Origem


Christopher Nolan é genial. Acho que não vai demorar muito até que todos reconheçam isso. A Origem é um quebra-cabeça. Filosófico, com final aberto e que trata de um assunto ainda muito misterioso pra nós: os sonhos. A maior injustiça do ano foi Nolan não ter sido indicado a melhor diretor. Para reparar o erro, espero que a Academia dê todos os prêmios técnicos pra esse filmaço, incluindo o de melhor trilha sonora (que, na verdade, é toda trabalhada na mensagem subliminar).

3. A Rede Social


Muito se fala sobre este ser o filme do momento, mas o que realmente me encantou em A Rede Social foi justamente seu caráter atemporal. Foi ver Jesse Eisenberg vivendo um dos personagens mais dúbios que o cinema já abrigou. Foi ver um filme sobre amizade e traição não cair no clichê. Porque David Fincher não deixa nada muito claro. Quanto mais conhecemos Mark, o criador do Facebook, mais temos a impressão de que nada sabemos dele.

2. Cisne Negro


"Eu tive um sonho estranho ontem à noite, sobre a garota que é transformada em um cisne. Ela precisa de amor pra quebrar o feitiço. Mas seu príncipe se apaixona pela garota errada e então.... Ela se mata". Alucinação e realidade se confundem nesse espetáculo orquestrado por Darren Aronofsky. Natalie Portman entrega sua melhor atuação e, se houver justiça no mundo, vai ganhar o Oscar no dia 27. Ela é a personificação da batalha interna que travamos a cada dia. De um lado a técnica e o romance, do outro a impulsividade e o sexo.

1. Toy Story 3


Aqui o lado pessoal falou mais alto. É a história da nossa infância chegando ao fim. É a hora de despedir de todos esses personagens incríveis, que nos divertiram por tanto tempo. Impossível não se sentir um pouco Andy, ao ver  Woody e Buzz ficando pra trás. Impossível segurar as lágrimas... Crescer dói.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Zona de Conforto


Eu nunca seria capaz de seguir carreira como fotógrafo porque sou muito acomodado. E fotografia é o tipo de coisa que te exige sair da zona de conforto, viajar, ir pra rua, montar tripé, se jogar no chão... Habilidades que eu nunca desenvolvi. Acabo sofrendo com a falta de assunto. Acho que já fotografei todos os centímetros da minha casa, não dá pra ser mais repetitivo. E se existe qualquer cena minimamente interessante lá fora, minha preguiça não permite que eu vá atrás.

Selecionei algumas das fotos que tirei (provavelmente sentado numa cadeira) entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011. Elas foram feitas ou com a belíssima Sony DSC-HX1 ou com a Canon A480 (a compacta que eu carrego pra todo lugar). Se você não conseguiu identificar qual câmera fez qual foto, significa que estou indo bem.







PS: Todas essas fotos (e mais um monte) estão na minha galeria do Flickr.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O Lobo e o Lenhador

Ou A História Mais Triste do Mundo.

Não lembro quando ouvi esse conto pela primeira vez. Muito menos quem me contou. Só consigo lembrar que passei uma noite inteira chorando por causa disso. Decidi compartilhar essa história aqui no blog (fazendo a minha versão, é claro), só pelo prazer de estragar seu dia.

Era uma vez um lenhador viúvo, que morava em uma humilde casa na floresta, com seu filho ainda de colo. Todos os dias o lenhador saía cedo para cortar lenha e caçar alguns coelhos e o filho ficava sozinho no berço. Mais tarde ele voltava com a lenha e os coelhos. Depois de alimentar o bebê e, estando também satisfeito, o lenhador colocava os restos da comida na esquina da casa, para alimentar um lobo excepcionalmente manso que vivia nas redondezas.

Com o passar do tempo, o lobo acabou conquistando a simpatia e confiança do lenhador. Ele já não parecia tão selvagem. Deixava-se acariciar, tal qual um cachorro, e gostava de dormir na varanda da pequena casa. Os vizinhos lhe advertiam: "É muito perigoso criar um lobo. São animais imprevisíveis...". Mas o lenhador conhecia seu amigo, e tinha certeza de que ele jamais seria capaz de atacar alguém. Era um lobo diferente.

Sempre que saía para trabalhar era a mesma coisa... "Você é louco de deixar seu filho aí, sozinho, com essa fera por perto". Mas o homem dava de ombros. Quando voltava, seu filho sempre estava bem, e o lobo na varanda, pulando de alegria pela chegada do dono. Mas um dia, o pior aconteceu. O lenhador voltava da caça, com três coelhos nas costas, quando encontrou a porta de sua casa aberta. Na varanda, o lobo... Com a boca encharcada de sangue. O lenhador sentiu o coração gelar. Rapidamente as vozes dos vizinhos voltaram à sua mente. Como ele tinha sido tão tolo a ponto de confiar num lobo? Trêmulo de ódio, e sem pensar duas vezes, o lenhador apontou sua espingarda para o lobo e disparou um tiro certeiro. O animal gemeu, com uma dor sentida, e caiu morto na varanda.

Com lágrimas nos olhos, o lenhador entrou em casa o mais rápido possível, numa tentativa desesperada de salvar seu filho. Quando chegou ao quarto, a criança estava dormindo tranquilamente no berço. Logo abaixo, no chão, uma enorme serpente morta.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A Grande Dama


Nada me deixa mais feliz que ver uma atriz talentosa receber um papel à sua altura. Acompanho Natalie Portman desde o primeiro episódio de Star Wars, quando ela vivia a encantadora Rainha Padmé Amidala, e me apaixonei perdidamente em 2004, quando ela fez absurdos em Closer - Perto Demais. Hoje, acho que Natalie Portman atingiu o ápice de sua carreira. Está em sua melhor forma, como a obcecada bailarina Nina Sayers, de Cisne Negro. Uma dessas interpretações que, de tão intensas, parecem consumir cada partícula do ator.

Nina conquista o papel principal na clássica montagem de O Lago dos Cisnes, onde deve interpretar duas personagens. A primeira é o cisne branco, belo, doce e gracioso. A segunda é o cisne negro, intenso, sensual e agressivo. A bailarina tem dificuldades com o segundo papel, já que este exige um pouco menos de técnica e mais impulsividade. Nina Sayers é do tipo que preza pela perfeição em cada movimento. Da hora em que acorda, até a hora em que vai dormir, tudo o que ela faz é treinar. Uma mulher que entrega sua vida à arte, com tamanho desprendimento que acaba abrindo mão da sua própria lucidez.


O ambiente que Cisne Negro reproduz não se assemelha em nada à leveza de um espetáculo de balé. As dançarinas são expostas à pressão e treinos exaustivos. A maior parte delas tem os pés machucados. E a câmera de Matthew Libatique faz questão de focalizar os detalhes mais assustadores desses campos de tortura. Como se isso não bastasse, Nina passa a ser atormentada por estranhas visões que remetem à fábula dos cisnes. Nestes momentos, a trilha sonora desempenha um papel importantíssimo, transformando o filme num terror psicológico dos mais apavorantes.

Adoro histórias que falam sobre o processo criativo de um artista, seja ele dançarino, escritor ou músico. Sempre me encanta ver alguém enfrentando seus limites em prol de uma obra de arte. E nesses casos, quando a ficção encontra a realidade, fica muito difícil não torcer pelo sucesso de Nina Sayers, no Lago dos Cisnes, ou de Natalie Portman, no Oscar 2011.