Terminei semana passada
Os Belos e Malditos, romance de
F. Scott Fitzgerald que narra a trajetória decadente de um casal rico de Manhattan. Anthony e Gloria são lindos e inteligentes, vieram de famílias instruídas, são bem relacionados e tinham tudo para dar certo, mas não dão. E as coisas desandam porque nenhum dos dois soube lidar com a maturidade. Enquanto Gloria se deixava levar por uma vaidade louca e um romantismo doentio, Anthony foi tragado pelo álcool, cigarro e pelas festas intermináveis que o casal promovia em sua casa. Coincidentemente, terminei o livro justamente na época de maior esbórnia da minha vida. E tudo ficou com a maior cara de aviso.
Mas não acho que o livro seja panfletário, muito pelo contrário. Fica claro que Fitzgerald era fascinado por esse estilo de vida irresponsável que mais tarde veio caracterizar a Era do Jazz. Suas descrições são cheias de adjetivos que elevam e seduzem e em momento algum a culpa é posta na bebida ou nos festejos. A culpa é de Anthony e Gloria. Eles que viviam numa inércia retumbante. Passavam semanas sentados: soltando baforadas de cigarro, enchendo taças de vinho e vendo seu dinheiro desaparecer.
O problema é que ao longo de toda a narrativa, as atitudes do casal parecem bem razoáveis. Anthony era um escritor talentosíssimo, só precisava de tempo pra gerar a obra-prima que, de certo, carregava com ele em algum lugar. E Gloria, com sua beleza e carisma únicos, nasceu pra ser atriz de cinema. Qualquer coisa menos que isso seria um crime contra os deuses da arte. Só que o livro acaba e Anthony não publica nada. E Gloria nunca faz um filme. E os dois permanecem fracos demais pra levantar do sofá.
"Então amadureci e abri mão da beleza das ilusões encantadoras. Minha fibra mental tornou-se áspera e meus ouvidos, tremendamente aguçados. A vida brotou como um mar em volta de minha ilha, e, dentro em breve, eu nadava. (...) O tédio, que não passa de um outro nome e um disfarce frequente da vitalidade, tornou-se a alavanca inconsciente de todos os meus atos. A beleza, eu a tinha ultrapassado, vocês compreendem. Eu amadurecera."
Separei outros dois trechos pra quem quiser saber mais:
Sobre Gloria:
"Aposentou-se. Ela que dominara incontáveis festas, que aspergira sua fragrância por tantas salas de baile, diante do tributo amoroso de tantos olhares parecia não ligar mais. Quem agora se apaixonasse por ela era logo dispensado, quase com raiva. Ela saía indiferentemente com os sujeitos mais indiferentes. Vivia rompendo compromissos, não como no passado, a partir de uma segurança tranquila de que ela era impecável, que o sujeito domesticado por ela voltaria como um animal domesticado - mas com indiferença, sem orgulho nem desprezo. Ela raramente se inflamava contra os homens; bocejava nas suas caras. Dava a impressão – tão estranha – à sua mãe, de estar ficando fria."
Sobre Anthony:
"– Trabalho! – zombou ela - Ah, pobre tipo! Seu enganador! Trabalho: isso significa grandes arrumações na escrivaninha e nas luminárias, fazer muita ponta nos lápis, e "Gloria, pare de cantar!", e "Por favor, mantenha esse diabo do Tana longe de mim!", e "deixe que eu leia minha primeira frase para você", e "levarei muito tempo para acabar, Gloria, por isso não fique acordada me esperando", e um tremendo consumo de chá e café. E só. Dentro de mais ou menos uma hora, ouço o velho lápis que deixou de rasgar o papel e dou uma olhada. Você tirou um livro da estante e está "consultando" alguma coisa. Em seguida está lendo. Em seguida bocejando – e tome cama, se revirando para lá e para cá porque está tão entupido de cafeína que não consegue dormir. Duas semanas depois e toda a cerimônia se repete."